
Mesmo contra a minha vontade, por que eu não queria tomar nenhum remédio e mais uma vez arriscar a vida de uma criança, cometer mais uma tentativa de aborto sim, eu já havia tentado abortar antes disso, sempre incentivada por ele. Também não tinha como dizer não a ele. Eu não sabia como fazer isso. E para que tudo corresse da melhor forma possível, eu precisava ser boazinha, ser obediente, por que era assim que ele gostava de mim. E por mais que eu estivesse agredindo a mim mesma, não tinha importância. O importante era agradá-lo, fazer tudo o que ele queria, sempre mandando e eu obedecendo.
Ele chegou com algo que o farmacêutico passou. Tomei dois vidros e nada aconteceu. A minha criança sobreviveu e eu fiquei feliz. Eu não estava mais suportando conviver naquele ambiente de tanta discórdia. E talvez ele também gostasse da ideia de ficar a sós comigo. Eu só não sabia exatamente ainda o porquê, o que me aguardava naquele futuro próximo.
Decidimos comprar um barraco na favela do Pixote, no Jardim Canhema, Diadema, para onde nos mudamos. Eu, grávida, aquela vida simples: chuva, enchente, barraco, alagado, brigas. Logo o marido aprendeu a fazer chantagem, ameaçar sair de casa toda vez que brigávamos. Eu com medo ficava apavorada. Não é redundância. Vivia com medo e outras tantas vezes também apavorada. Sozinha, com uma criança no colo e a outra na barriga, o que eu podia fazer? Eu implorava, chorava, pedindo para ele não ir embora. Não me dava conta de que isso alimentava sua maldade. Na verdade, ele ficava feliz em me ver sofrendo, chorando pelos cantos. Atirava na minha cara, todos os dias, que eu não prestava, que ate o meu pai eu tinha matado.
E, cada vez mais, a revolta me consumia, a magoa aumentava, a tristeza tomava conta de mim passando a fazer parte da minha vida. Eram sentimentos que antes eu não conhecia. Fui criada no campo, correndo feliz sem maldade. O sorriso fazia parte do meu dia a dia. Eu sempre sonhei em ter alguém na minha vida que fosse ao mesmo tempo meu amigo e meu companheiro. Tinha um pai que me amava. Tenho uma lembrança dele que sempre me acompanha. Um dia, sai para buscar ingá, uma fruta de época lá no Nordeste. Estava ameaçando um temporal, mas, mesmo assim, não dei importância e subi no alto de uma árvore. Estava despreocupada quando a tempestade desabou e com o vento forte eu não podia desce. Estava apavorada sem saber o que fazer, quando ouvi a voz do meu pai. Ele estava ali para me proteger. Foi me buscar exposto aos raios, ventos e trovões daquela tarde, que ate hoje está viva nas minhas lembranças.
Mas, agora, um dia era alegria, no outro, sofrimento. E assim a vida continuava. As dificuldades financeiras só aumentavam. Tinha dia que eu esperava ele me trazer um pedaço de carne dentro de um pão para poder almoçar. Passei todas as dificuldades que a vida possa oferecer ao lado de um homem, mas sempre estive firme ao lado dele, procurando economizar de todas as formas para contribuir. Mais nunca recebi uma palavra de agradecimento.
E a minha barriga crescendo. Felizmente Silvia era um bebezinho que preenchia os meus dias. Era dela que eu tirava força para conseguir suportar as indiferenças que a vida e algumas pessoas me ofereciam. A minha família, como minha mãe e meu irmão, acreditavam muito nele. A errada era sempre eu. Então, falar pra quem? Ou para quê? Quem estaria disposto a me ouvir? Ninguém! Em um final de semana, como todos os outros, fomos pra a casa dos pais dele. Começou uma discussão e, como sempre, fui o pivô. Ele fechou a cara pra mim. Eu estava de cinco ou seis meses de gravidez. Saindo de lá, estava com a Silvia no colo e uma bolsa pendurada no ombro. Cena típica.
Como ele estava com raiva de mim, não me ajudou. Pelo contrário. Colocou o pé na minha frente para que eu caísse. Quanta maldade! – pensei. Mas, naquele momento de fragilidade, só pensava no que poderia ter acontecido com meus filhos. O impacto foi grande. Mais tarde, conversando com alguns psicólogos, me disseram que até corremos o risco de uma rejeição da parte da criança, ainda no útero.